Olá, meu nome é Alfred. E não, não sou um mordomo. Sempre que digo o meu nome me dizem que Alfred é nome de mordomo. Como se Maria fosse nome de cozinheira e Ana fosse nome de mãe. O que é tão absurdo quanto. Escrevo isto, seja lá o que for, para contar um pouco do meu dia para vocês. Não que eu seja orgulhoso e pretensioso o bastante para acreditar que vocês iriam se interessar pelo meu dia, mas simplesmente porque quero! Escrevo porque quero, leia se quiser.
Como
alguns de vocês podem ter percebido, não sou homem de muitos amigos. Não porque
sou muito arrogante ou porque sou antissocial, mas porque o conceito amizade sofreu
muitas alterações com o longo dos anos e com o avanço da tecnologia. Hoje
amigos são aqueles que temos adicionados nas redes sociais. E é claro que eu
não participo de nenhuma delas.
Meu
dia começou como todos os outros. Me levantei bem cedinho para ver o nascer do
sol entre as árvores daquela praça. Me sentei no banco de sempre e me entreguei
àquele deleite, ignorando completamente o barulho do trânsito.
Depois
de me cansar de ficar sentado ali, fui tomar banho, depois sentei-me novamente
no banco da praça. Algumas pessoas que ali passavam me ignoravam, outras me
olhavam como se eu fosse um ladrão, um cara muito feio, ou como se eu não
tivesse tomado banho. É claro que nenhuma das alternativas é verdadeira!
Então
resolvi tomar meu café-da-manhã. Avistei ao longe alguns de meus colegas de
trabalho e logo ofereci parte do meu banquete para aqueles que vejo todos os
dias. Conversamos pouco. As pessoas, mesmo aquelas mais próximas, às vezes se
tornam distantes, conversando apenas sobre coisas como o tempo e a bolsa de
valores. Não se fala mais do interior, do que sentimos, sobre o que pensamos, o
que amamos, aquilo que nos move. Para falar sobre isso é preciso pagar uma
consulta com um psicólogo ou um psiquiatra, se você tiver menos sorte. Como não
confio em psicólogos e não ouso gastar meu precioso dinheiro e meu tempo com
isso, prefiro guardar tudo pra mim. Um dia eu explodo, mas antes explodir do
que confessar meus loucos pensamentos a alguém e esse alguém trair a minha
confiança. O que não seria a primeira vez que acontece.
Depois
de discutir sobre a queda do dólar, meus colegas de trabalho se foram, sempre
me olhando de modo desconfiado, e não demonstrando o mínimo de gratidão por eu
ter dividido o meu banquete com eles. Tudo bem.
Resolvi
andar um pouco para pensar. Gosto de andar, isso me ajuda a pensar e sempre
estou com muitos pensamentos flutuando na minha mente. Muitas pessoas falam que
sou calado. Só se for por fora... por dentro sofro e enfrento um turbilhão de
pensamentos que não me deixam raciocinar direito! Fico tão ocupado pensando nos
meus pensamentos, que me esqueço das pessoas ao meu redor e de que a etiqueta
diz que devemos socializar com aqueles que estão a nossa volta. Talvez esse
seja mais um dos motivos que me fazem ter tão poucos (ou nenhum) amigos assim.
Depois
de muito andar e refletir, olhei para o céu e vi que já estava bem tarde e que
iria chover, provavelmente dentro de meia hora. Sim, eu tenho relógio e não,
não estava usando nesse dia. Não gosto de relógio.
Eles marcam as horas. Prefiro marcar os momentos.
Alguns são grandes, outros muito curtos,
mas levo minha vida assim, contando os momentos. Se contasse os minutos,
estaria velho e caduco, pois o tic-tac do relógio provavelmente me enlouqueceria.
E
como eu sabia que iria chover? Não precisa ser um meteorologista para olhar
para o céu e ver nuvens de chuva. E sim, eu tenho o costume de caminhar ao ar
livre e observar tudo ao meu redor, inclusive as mudanças que ocorrem no
ambiente e no tempo.
Começou
a chover, mas ao contrário do que vocês pensam, eu não corri para me proteger
da chuva. Continuei andando e pensando. Não sei porque, mas esse foi mais um
dos motivos para as pessoas me olharem com olhos atravessados. Como se andar na
chuva fosse um crime ou coisa de gente louca. Seja o que for, eu gosto e andei
na chuva porque quis. Ninguém tem nada a ver com isso.
A
chuva durou menos tempo do que imaginei, logo o sol apareceu outra vez, bem
mais quente e mais insuportável. É difícil suportar essas mudanças climáticas
repentinas, mas como tudo na vida, a gente acaba acostumando.
Resolvi
que estava com fome, peguei algumas moedas (esqueci o meu cartão de crédito e o
de débito) e comprei o que seria o meu almoço. Almocei sossegado, sem me preocupar
em oferecer para ninguém e fiquei pensando enquanto fazia o desjejum.
Sabe,
caros leitores, às vezes sofro muito. Porque ora sou muito atento e consigo
enxergar até a menor presilha do cabelo de uma jovem que passou correndo ao meu
lado ora sou muito desatento e olho para tudo e para todos e não vejo nada além
de borrões. Só consigo enxergar as coisas e as pessoas, se faço muito esforço,
mas mesmo assim as enxergo bem por pouco tempo. Como se tudo estivesse numa
névoa e eu não conseguisse me achar, me guiar. Então vivo nesses dois extremos,
sem saber quando vai ser um ou outro e sofro muito com isso. Porque nem sempre
esses dois extremos respeitam as minhas necessidades.
Meu
sentido aguçado me livrou desses pensamentos, pois vi um policial se
aproximando, com um olhar nem um pouco amigável. Como não tinha motivos para
temê-lo, permaneci onde estava e ele veio ao meu encontro. Não me disse bom
dia, nem perguntou como eu estava, simplesmente me revistou e me mandou sair de
onde estava. Revoltado, eu obedeci. Não adianta discutir com certas pessoas
sobre certas coisas, ainda mais quando essas pessoas acham que estão cheias de
razão ou quando essas pessoas são autoridades, com as quais você não pode ousar
brincar. Sou muito realista para saber que brigar por uma coisa dessas não ia
adiantar em nada além de muita confusão para o meu lado.
Voltei
para o meu lar, já era noite e estava frio, mas não me aqueci com roupas
quentes, me acostumei a sentir o frio roçar a minha pele, como um carinho de
uma velha amiga.
Peguei
o jornal do dia, o amassei e fiz uns aviõezinhos. Sabia que ali não teria nada
de útil além de morte, violência e mulheres nuas.
Já
descobriram o que sou até esse ponto? Se não, sinto muito. Na verdade não sinto
não. As próximas linhas revelam a tão verdadeira parte da história de todos os
meus dias.
Estava
sonhando. Havia tempos que não sonhava. Sonhei que morava em uma casa melhor,
não maior, apenas melhor, onde teria tudo aquilo que eu julgava precisar. Nessa
casa também havia uma esposa, a minha esposa e meus filhos. Três crianças
marrentas e com bochechas vermelhas correndo para me abraçar. Enquanto a minha
linda esposa me abraçava e eu sentia um calor que há tempos não sentia (o calor
de um abraço), acordei.
Alguém
estava me chutando, me xingando e me humilhando. O calor que eu havia sentido
era o de urina. Eu estava sangrando de tanto apanhar e minha visão estava
turva. Só consegui ouvir as últimas palavras do meu agressor, antes dele ir
embora.
-
Aqui não é lugar para mendigos.
Não
há lugar para mim, e nunca haverá, em lugar algum.
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