França.
Para você que conhece a minha
história sabe que é lá que a primeira parte termina e uma longa jornada começa.
Sabe quando conquistamos algo tão sonhado e achamos que atingimos o ápice da
felicidade? Estamos completamente enganados. A felicidade “maior” não existe,
pois se existisse e fosse alcançada, nossa vida perderia o sentido. Porque o
sentido mais plausível (encontrado até hoje) para vida é a eterna busca da
felicidade, contínua e satisfatória.
Aposto que você pensou que quando
conquistei o coração da minha Medusa, estava feito, com a vida pronta. Você não
poderia estar mais enganado em toda sua vida, caro leitor. O meu desafio estava
apenas começando...
O primeiro problema era o país. Os
franceses são tão... franceses... Acho que isso explica muita coisa. Ficamos lá
por três meses, que foi o tempo que ela levou para resolver os tais assuntos.
Partimos logo em seguida de volta para casa.
Nesse meio tempo, descobri que ela era astrônoma, tocava piano e falava latim. Mesmo juntos, Medusa ainda era um mistério para mim. A cada dia me surpreendia com novas descobertas e sensações. E como dizia um velho amigo: não há nada como ser descoberto.
Nesse meio tempo, descobri que ela era astrônoma, tocava piano e falava latim. Mesmo juntos, Medusa ainda era um mistério para mim. A cada dia me surpreendia com novas descobertas e sensações. E como dizia um velho amigo: não há nada como ser descoberto.
Como é óbvio, minha vida mudou
completamente. Isso não significa que eu larguei tudo para o alto e comecei
outras coisas e planos, mas significa que mesmo aquelas coisas que eu fazia
todo dia passaram a ter um colorido e significado diferentes. Por exemplo,
passamos a ir na biblioteca juntos. Na prática, isso não mudou muita coisa:
continuamos sentados (agora lado a lado) lendo em silêncio, alguns comentários
oportunos e silenciosos e depois voltávamos para casa. Mas é claro que não era
só isso. Com ela sentada ao meu lado, podia sentir o cheiro dela, que era como
cheiro de livro novo e intocado, uma brisa de outono e um leve odor de café
recém passado. Podia também sentir o calor dela e continuar observando os
detalhes que eu sempre observava de longe, mas agora de perto, bem perto. E eu
até poderia estar enganado, mas podia jurar que a moça que se auto denominava
bibliotecária estava a cada dia mais vermelha e mais impaciente. Nem me
cumprimentar mais ela cumprimentava.
Mulheres.
Em
contradição com a necessidade que os apaixonados têm de passar quase todo o
tempo juntos, não tínhamos tanto tempo assim. Medusa vivia estudando,
observando as estrelas, tocando piano e falando sozinha. Às vezes, quando
estávamos juntos, a pegava falando latim baixinho para si mesma. Ela também
tinha outra mania: tamborilava os dedos em alguma superfície (como se estivesse
tocando piano) toda vez que estava ou com muita raiva ou muito nervosa. E
durante o tempo em que não estávamos juntos, eu estava pensando nela e isso
desencadeava toda a sorte de coisas que você pode imaginar. Como falar frases
sem sentido, quase errar a nota de um aluno, esquecer o caminho de volta pra
casa ou derramar café na blusa, bem na hora de sair de casa.
Bem, eu pensava que com o tempo ia
aprender a lidar com isso, com o pouco tempo que passávamos juntos, mas isso só
foi piorando. A cada dia eu queria mais e mais passar o tempo todo com ela e
dar-lhe toda a atenção que ela merecia. Ao mesmo tempo tinha receio de que toda
essa necessidade não fosse compartilhada e que nada disso a incomodasse. Medusa
era uma mulher independente, confiante e moderna, mas algo me dizia que no
fundo (não tão no fundo assim) ela tinha um quê de tradicional e
conservadora.
Então,
como uma espada que atravessa a armadura, uma ideia veio a mim. Não! Sim! Será?
Talvez? Sim, com certeza sim!
Estava decidido! Iria pedir a mão dela em casamento, mas como? Quando? Onde? E o mais importante: será que ela iria aceitar? Eu não tinha nenhuma dessas respostas, portanto decidi que seria prudente dizer que a resposta era sim, mesmo sem saber ao certo o que isso significava. Irei te poupar agora, leitor, dos meus devaneios e pular para a parte em que fui à joalheria escolher o anel de noivado.
- Bom dia, senhor. No que posso
ajudar? – disse a moça loira da joalheria.
- Bom dia... gostaria de um anel de noivado. – entendam que para mim era bem simples. Eu queria um anel de noivado. Mas a moça começou a me encher de perguntas, querendo saber de detalhes, pedra, tamanho e outras coisas que nem tinham passado pela minha cabeça. A moça loira continuava a falar sem parar da valorização do ouro e da inflação, quando meus olhos fitaram um brilho tímido, porém constante, de uma pedra em um anel logo ali adiante. O anel era de ouro branco, tinha um formato um tanto moderno, com dois anéis se entrelaçando e a pedra, de tamanho discreto, era de diamante (tradicional). Então decidi que esse era o anel perfeito e o comprei. Essa foi a parte mais fácil.
Agora a parte difícil.
Não
perdi tempo e no mesmo dia fui procurá-la. Marcamos um encontro na casa dela
mesmo. Um jantar. Ela estava deslumbrante, se é que fosse possível ficar mais.
Usava um vestido preto, o cabelo estava preguiçosamente solto e caia por toda a
parte, como se fosse feito para isso. E o sorriso! Era aquele sorriso, que te
atinge a metros de distância e derrete geleiras. Nesse momento vale a pena
ressaltar outra característica dela, ela sempre sabe das coisas. Sempre que eu
ia contar algo para ela, ela já sabia. Sempre quando tentava surpreendê-la, a
reação dela era de quem já sabia que aquilo ia acontecer, então eu já estava
preparado para não surpreendê-la, não estava iludido e isso me confortava.
Saber que ela já sabia que iria pedir a mão dela já me deixou mais confiante,
com mais esperança. Mas eu não podia estar mais enganado!
-
Toca pra mim? – esse pedido a surpreendeu de verdade e mais ainda a mim mesmo.
Foi tão satisfatório ver a surpresa extrapolar a expressão calma dela, que
quase caí na gargalhada.
Depois de terminar a música, a tomei nos braços, fitei aquelas órbitas onde habitavam duas estrelas, tomei fôlego e fiz o pedido.
- Sabe que nunca te pedi nada. – comecei.
- Hmm... fala logo o que você quer!
- E a regra é bem clara quando diz que quando alguém que nunca pediu algo pede alguma coisa seu desejo deve ser realizado.
- Onde está escrito isso?
Tive que me concentrar para não perder o foco.
- No livro da vida.
- Ah, claro! O livro da vida. Então, o que você quer?
- Você. Na minha vida. Você como minha esposa. Casa comigo.
Você
acreditaria, leitor, se eu dissesse que eu quase desmoronei? Porque ao invés de
encontrar a expressão calma e solene de quem nunca se surpreende, encontrei um
par de olhos brilhantes e esbugalhados, inquietos e perturbados, tentando se
agarrar a algo que ainda não descobri o quê.
Então
toda a calma e segurança que a falta de surpresa dela poderiam me causar foram
embora, me deixando com frio, fome e insegurança. Até que ela voltou a falar.
- Isso não foi uma pergunta. Nem ao
menos foi um pedido.
- Se eu perguntasse, você poderia falar não. – nesse momento meu coração já tinha ido pela boca, junto com o fígado e o meu precioso pâncreas.
- Se isso, se aquilo... a vida é feita de riscos.
- Oh Medusa, – eu disse, me ajoelhando – que outrora me transformastes em pedra, quando me deixou sozinho, sem notícias e esperanças. Medusa que me aqueceu e me apresentou o amor, que mudou minha vida e me apresentou de uma forma nova a um mundo velho. Permita-me passar todo o restante da minha humilde vida na sua presença. Me permita ter o prazer de disfrutar de sua companhia todos os dias ao acordar e de seus beijos ao anoitecer. Me dê a oportunidade de ser feliz ao seu lado e de te dar tantas felicidades quanto é possível para um velho moço como eu. Medusa, você quer casar comigo?
- Oh!
Essa
foi a resposta dela, e como foi a primeira vez em que ela não estava esperando
por algo, também não estava com a resposta pronta, na ponta da língua. Então,
enquanto eu estava tendo um princípio de infarto, ela tomou minhas mãos, me
levantando, me olhou nos olhos e então eu soube a resposta.
Caro, leitor, aprendi que muitas
vezes achamos que sabemos a resposta para uma pergunta, mas não sabemos, na
realidade. E também aprendi que existem dois tipos de respostas. Aquela que
precisa ser dita e a que não precisa. Ambas têm um poder muito grande, mas só
algumas pessoas conseguem obter as respostas que não são ditas. A essas pessoas
digo que têm sorte por ter essa sensibilidade ou não. Porque ou elas vão
acertar a resposta ou vão imaginar que acertaram. E as implicações dessa última
possibilidade podem ser bem desastrosas...
Ou não!
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