segunda-feira, 23 de maio de 2016

A hora de cada hora



Gabriela se remexia inquieta em sua cama, não conseguia dormir. Se levantou e foi brincar na sala. Sua mãe, Carla, ainda acordada, se surpreendeu ao ver sua filha ainda acordada, apesar da ordem dada anteriormente.

- Gabriela, eu já lhe disse para ir dormir. Já são 23h! Isso não é hora de uma mocinha como você estar acordada!
- Maaaas mãe!
- Nem mas nem menos!
- Eu não consigo dormir! Você não entende!
- Sente-se aqui, Gabi - ela se sentou no sofá, ao lado de sua mãe - Está vendo aquele relógio? Ele é um relógio mágico!
- Ah é? - os olhos de Gabi brilharam de interesse.
- É sim! Ele mostra as horas e também a hora de cada hora!
- Como assim, mãe?
- Cada lugar que o ponteiro pára indica uma função ou atividade que devemos realizar, como mágica!
- Ainda não entendi!
- Quando o ponteiro maior estiver no número nove significa que é hora de ir para a cama.
- Ah... e se essa mágica não acontecer?
- Ai é que está! A mágica sempre acontece, mesmo quando parece não acontecer! Você não estar na cama agora nos possibilitou ter essa conversa, mas espero que entenda que se um horário não for cumprido, ele atrapalhará todos os outros.
- Eu duvido!
- Veremos!


Carla deixou Gabriela ficar acordada até a hora que quisesse. Para todos os efeitos, Gabi foi dormir quando o relógio marcava 03h. No dia seguinte Carla chamou Gabi às 06h para se arrumar para ir à escola, porém ela se remexeu na cama e voltou a dormir. Acordou apenas às 14h. Nesse horário o café-da-manhã e o almoço já haviam sido servidos. Gabi achou o máximo ter perdido aula, mas seu estômago reclamava e ela não ficou nenhum pouco contente por ter perdido duas refeições. Então ela fez um lanche e caiu no sono, aquele cochilo no meio da tarde. Esse cochilo foi até às 21h. O jantar já havia sido retirado e os pais dela haviam ido dormir. Sem sono, Gabi resolveu ir ver um filme de terror que passava na televisão. Ficou aterrorizada e só conseguiu dormir às 2h.
No dia seguinte essa programação se manteve praticamente da mesma forma. No terceiro dia Gabi resolveu conversar com sua mãe.

- Mãaaae! Me desculpe!
- Desculpá-la? Pelo o quê?
- Você estava certa. Quando não cumprimos alguns horários, isso pode atrapalhar os outros.
- Mais que isso, Gabi, mais que regras e obediência é preciso que você sinta e entenda o tempo das coisas. Cada um tem seu próprio tempo e todos temos o mesmo tempo. Ao mesmo tempo nós criamos o tempo.
- Agora você me deixou confusa.
- Me desculpe - Carla riu - Digamos apenas que cada hora tem sua hora, ok?
- Ok!


Alguns meses depois Gabi chegou da escola e sentiu falta de sua mãe. O dia seguinte chegou e o próximo também, mas sua mãe não chegava mais.
- Paaaaai! Cadê a mamãe?! Ela perdeu a hora dela, várias vezes! - Gabi tinha lágrimas nos olhos.
- Gabi - seu pai mostrava profunda tristeza em seu olhar - sua mãe não perdeu a hora. Na verdade ela se foi, antes da hora.


Apesar de não entender direito o que aquilo significava, ela olhou para o relógio da sala e viu que ele marcava 19h11 naquele momento...


(...)


Sophia corria como se não houvesse amanhã e a geladeira era o limite. Ela queria muitas coisas, mas dormir definitivamente não estava na lista. Gabriela já estava cansada das atividades diárias quando percebeu que teria que colocar a Sophia na cama pela oitava vez naquela noite.

- Sophia, eu já lhe disse para ir dormir. Já são 23h! Isso não é hora de uma mocinha como você estar acordada!
- Maaaas mãe!
- Nem mas nem menos!
- Mas eu não consigo dormir! Você não entende!
- Sente-se aqui, Sophia - ela se sentou no sofá, ao lado de sua mãe - Está vendo aquele relógio? Ele é um relógio mágico!
- Ah é? - os olhos de Sophia brilharam de interesse.
- É sim! Ele mostra as horas e também a hora de cada hora!


Gabriela já estava preparada para continuar a explicação quando viu que Sophia havia caído no sono. Seu rosto, tão pacífico e indefeso, no mais belo relaxar dos músculos da face. O relógio marcava 23h59. Que hora seria aquela?


Talvez fosse a hora de relembrar o passado ou talvez fosse o momento de compreender toda aquela filosofia por trás dos ensinamentos de Carla. Tem a hora de acordar e a de dormir; a de tomar banho e a de comer; a hora de estudar e a de descansar; tem a hora de ir e a de ficar; a hora de rir e de chorar; a hora de falar e a de se calar.

- Tem a hora de amar - Gabi pensou alto. Olhou para Sophia deitada em seu colo e um misto de sensações a invadiram.
Ela havia se perdido em memórias e quando olhou para o relógio se surpreendeu ao ver que ele já marcava 01h.
- É hora de ir dormir! - ela disse surpresa e ao perceber isso, se permitiu rir. Porque também era hora de rir, era hora de amar...

Era a hora de ir.


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