"Feliz quem voltasse a ser criança!" O homem simpático,
mas sentimental, que entoa a canção do menino ditoso, desejaria também voltar à
Natureza, à inocência, ao princípio, mas esqueceu que nem mesmo as crianças são
felizes, e sim suscetíveis de muitos conflitos, de muitas desarmonias, de todos
os sofrimentos.
Para trás, não conduz a nenhum caminho, nem para o lobo nem para a
criança. No princípio das coisas não há simplicidade nem inocência; tudo o que
foi criado até o que parece mais simples, é já culpável, já complexo, foi
lançado ao sujo torvelinho do desenvolvimento e já não pode, não poderá nunca
mais, nadar contra a corrente.
O lobo da Estepe - Hermann Hesse
Então,
a verdade é que tenho medo de escrever
porque tenho medo de escrever besteira. Aprendi a prezar a coerência do que
penso e colocar tudo em palavras é um
desafio novo para mim. Primeiro por causa das limitações da linguagem e comunicação
- assunto para outra hora -, segundo porque sinto uma necessidade, que na
verdade é uma obrigação: fundamentar tudo que eu escrevo. Ter uma opinião ou
achar alguma coisa nada significa. É dezembro de 2016 e temos milênios de contribuição
humana para eu vir divagar sobre um assunto qualquer sem o mínimo de respeito
pelo que outras pessoas já refletiram e escreveram. É uma consciência de que
problemas que me vem a mente já podem ter sido resolvidos há séculos e seria
uma negligência não considerar essa possibilidade. Então resolvi escrever sem pensar muito,
primeiramente como um rascunho e fundamentarei depois, caso isso seja possível,
é claro...
Acho
que me ocorreu uma epifania agora pouco.
Não sei se é essa a palavra, mas eu poderia chamá-la de insight também.
Tem a ver um pouco com a inquietação intelectual, essa fermentação constante de
idéias na minha cabeça. Mas indo ao ponto que me trouxe aqui: a palavra chave é
resiliência. Não tanto sob o aspecto de "resistência" que ela traz (aqui estou divagando novamente sobre a limitação da linguagem), mas mais sobre
o sentido de adaptação. Não quero expor
o fato ocorrido, o negócio é que a
resiliência trouxe consigo a reflexão sobre a maioridade e falarei dela
primeiro. Não a maioridade penal, mas aquela mesma maioridade que fala
Immanuel Kant.
Diferente da maioridade penal, para Kant alguém deixar de ser criança, deixa a menoridade,
quando ela passa a ter capacidade de usar seu próprio entendimento, a servir de
si próprio sem a tutela de outra pessoa.
É sobre tomar coragem, consciência da responsabilidade pela sua própria vida e
do seu destino. É saber que o final da vida, como ela vai terminar, é uma responsabilidade individual (estou
misturando um pouco de Sartre aqui também).
Isso é um marcador que diferencia as pessoas: aquelas que tem
consciência da diferença entre existir e viver e aquelas que ficam a mercê dos
estímulos externos e internos, existindo no modo automático e mal conseguem ver um passo a frente.
Não posso deixar de falar, portanto, como é bonito ver alguém atingir a maioridade
- eu diria que fico um pouco triste também, talvez entendam por quê. Se nascemos
sob dezenas de determinadas condições, seja o idioma, a condição financeira, a
família , o país, a cultura etc., quando alguém toma a postura adulta de
encarar que condição é algo intrínseco a existência e que o que vem depois,
isto é, as escolhas, são o que determinam
o porvir, essa pessoa merece o mínimo de admiração - ainda mais visto a degradação
cultural e intelectual dos nossos dias.
Mas
a maioridade traz consigo um desafio (é um eufemismo para o que eu queria
chamar de maldição, seria isso um exagero meu?). A gente acaba se deparando com
algumas perguntas: como "qual é o
sentido da vida?", ou "para que estamos aqui?", e ainda, "para
onde ir"? E não, não conheço ninguém que tenha as respostas... Além disso
vem aquele ceticismo icônico, senão a necessidade da prova para se crer em
algo, uma fundamentação lógica ao menos. Pense bem, são as crianças que
acreditam em fadas e coisas do gênero...
E
lembrar dia após dia dessa responsabilidade, ter consigo os olhos abertos para
as consequências de cada atitude tomada soa às vezes motivador, "eu faço
meu próprio destino"; mas muitas delas é um fardo para se carregar,
"se eu fizer merda, vai dar merda". Quem foi que disse mesmo?: "A ignorância é uma benção."
Só
que não era para parecer uma lamentação, acredite. É justamente agora que entra
a questão da resiliência: a capacidade de
superar os momentos difíceis, a capacidade de continuar. Li uma vez que
a resiliência seria uma espécie de inteligência, mas agora arrisco a dizer que
é bem mais que isso. É uma virtude.
A
questão é que como não temos um manual pronto sobre como viver, sobre o que é
certo ou errado, é totalmente justificável e legítimo que erremos na nossa jornada
- construir uma moralidade pessoal é uma arte. Digo errar no sentido de fazer
escolhas erradas: escolher a profissão errada, a amizade errada, a ideologia
errada, a expectativa errada, falar no
momento errado... o gosto é o do freguês
aqui. E a resiliência é o que nos
permite ir adiante apesar de toda conseqüência possível.
Dessa
forma, que a gente permita se perdoar
pelas escolhas erradas. Que a gente possa ter em nossa consciência a
racionalidade para tomar decisões: quando as circunstâncias mostrarem que é hora
de ir ou deixar ir, que possamos ir ou deixar ir. Quando as circunstâncias
mostrarem que devemos ficar, que nós fiquemos. Ainda assim, não estaremos livres
do erro. E se ele ocorrer, que a gente
possa ser resiliente e lembrar que estamos todos no mesmo barco e que o Sol
voltará amanhã, para um novo começo.
Obs.: Claro que muitas das dificuldades que passamos não é
culpa nossa e a resiliência tem também um papel fundamental na superação delas,
mas o foco aqui é justamente todas as consequências que ocorrem por nossas
ações mesmo.