domingo, 11 de dezembro de 2016

Rascunhos #1


"Feliz quem voltasse a ser criança!" O homem simpático, mas sentimental, que entoa a canção do menino ditoso, desejaria também voltar à Natureza, à inocência, ao princípio, mas esqueceu que nem mesmo as crianças são felizes, e sim suscetíveis de muitos conflitos, de muitas desarmonias, de todos os sofrimentos.

Para trás, não conduz a nenhum caminho, nem para o lobo nem para a criança. No princípio das coisas não há simplicidade nem inocência; tudo o que foi criado até o que parece mais simples, é já culpável, já complexo, foi lançado ao sujo torvelinho do desenvolvimento e já não pode, não poderá nunca mais, nadar contra a corrente.
O lobo da Estepe - Hermann Hesse


Então, a verdade é que tenho medo de escrever porque tenho medo de escrever besteira. Aprendi a prezar a coerência do que penso e colocar tudo em palavras  é um desafio novo para mim. Primeiro por causa das limitações da linguagem e comunicação - assunto para outra hora -, segundo porque sinto uma necessidade, que na verdade é uma obrigação: fundamentar tudo que eu escrevo. Ter uma opinião ou achar alguma coisa nada significa. É dezembro de 2016 e temos milênios de contribuição humana para eu vir divagar sobre um assunto qualquer sem o mínimo de respeito pelo que outras pessoas já refletiram e escreveram. É uma consciência de que problemas que me vem a mente já podem ter sido resolvidos há séculos e seria uma negligência não considerar essa possibilidade. Então  resolvi escrever sem pensar muito, primeiramente como um rascunho e fundamentarei depois, caso isso seja possível, é claro...

Acho que me ocorreu uma epifania agora pouco.  Não sei se é essa a palavra, mas eu poderia chamá-la de insight também. Tem a ver um pouco com a inquietação intelectual, essa fermentação constante de idéias na minha cabeça. Mas indo ao ponto que me trouxe aqui: a palavra chave é resiliência. Não tanto sob o aspecto de "resistência" que ela traz (aqui estou divagando novamente sobre a limitação da linguagem), mas mais sobre o sentido de adaptação.  Não quero expor o fato ocorrido, o negócio é que  a resiliência trouxe consigo a reflexão sobre a maioridade e falarei dela primeiro. Não a maioridade penal, mas aquela mesma maioridade que fala Immanuel  Kant.

Diferente da maioridade penal, para Kant alguém deixar de ser criança, deixa a menoridade, quando ela passa a ter capacidade de usar seu próprio entendimento, a servir de si próprio  sem a tutela de outra pessoa. É sobre tomar coragem, consciência da responsabilidade pela sua própria vida e do seu destino. É saber que o final da vida, como ela vai terminar,  é uma responsabilidade individual (estou misturando um pouco de Sartre aqui também).  Isso é um marcador que diferencia as pessoas: aquelas que tem consciência da diferença entre existir e viver e aquelas que ficam a mercê dos estímulos externos e internos, existindo no modo automático  e mal conseguem ver um passo a frente.

Não posso deixar de falar, portanto,  como é bonito ver alguém atingir a maioridade - eu diria que fico um pouco triste também, talvez entendam por quê. Se nascemos sob dezenas de determinadas condições, seja o idioma, a condição financeira, a família , o país, a cultura etc., quando alguém toma a postura adulta de encarar que condição é algo intrínseco a existência e que o que vem depois, isto é, as escolhas, são o que determinam o porvir, essa pessoa merece o mínimo de admiração - ainda mais visto a degradação cultural e intelectual dos nossos dias.

Mas a maioridade traz consigo um desafio (é um eufemismo para o que eu queria chamar de maldição, seria isso um exagero meu?). A gente acaba se deparando com algumas perguntas: como  "qual é o sentido da vida?", ou "para que estamos aqui?", e ainda, "para onde ir"? E não, não conheço ninguém que tenha as respostas... Além disso vem aquele ceticismo icônico, senão a necessidade da prova para se crer em algo, uma fundamentação lógica ao menos. Pense bem, são as crianças que acreditam em fadas e coisas do gênero...

E lembrar dia após dia dessa responsabilidade, ter consigo os olhos abertos para as consequências de cada atitude tomada soa às vezes motivador, "eu faço meu próprio destino"; mas muitas delas é um fardo para se carregar, "se eu fizer merda, vai dar merda". Quem foi que disse mesmo?: "A ignorância é uma benção."

Só que não era para parecer uma lamentação, acredite. É justamente agora que entra a questão da resiliência: a capacidade de  superar os momentos difíceis, a capacidade de continuar. Li uma vez que a resiliência seria uma espécie de inteligência, mas agora arrisco a dizer que é bem mais que isso. É uma virtude.

A questão é que como não temos um manual pronto sobre como viver, sobre o que é certo ou errado, é totalmente justificável e legítimo que erremos na nossa jornada - construir uma moralidade pessoal é uma arte. Digo errar no sentido de fazer escolhas erradas: escolher a profissão errada, a amizade errada, a ideologia errada, a expectativa errada,  falar no momento errado... o gosto é  o do freguês aqui. E a resiliência é o que nos permite ir adiante apesar de toda conseqüência possível.

Dessa forma, que a gente permita se perdoar pelas escolhas erradas. Que a gente possa ter em nossa consciência a racionalidade para tomar decisões: quando as circunstâncias mostrarem que é hora de ir ou deixar ir, que possamos ir ou deixar ir. Quando as circunstâncias mostrarem que devemos ficar, que nós fiquemos. Ainda assim, não estaremos livres do erro. E se ele ocorrer, que  a gente possa ser resiliente e lembrar que estamos todos no mesmo barco e que o Sol voltará amanhã, para um novo começo.

Obs.: Claro que muitas das dificuldades que passamos não é culpa nossa e a resiliência tem também um papel fundamental na superação delas, mas o foco aqui é justamente todas as consequências que ocorrem por nossas ações mesmo.




Por H. Haller.



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