Mais um
dia, mesma rotina. Lá estava eu, acordando e me preparando para sair logo. Não
estava bem. Não acho que era por causa da gripe, mas naquele momento era
incapaz de sequer supor o motivo do meu mal-estar.
Tive que
correr para não perder o ônibus, mas perdi.
Frustrada.
Acontece.
Algum
tempo depois o próximo ônibus chegou. Entrei. Sentei-me. Esperei. Não sabia o
que ou pelo que esperava, mas ainda assim, esperava. Inquietava-me. Então ele
entrou.
A
princípio pensei que fosse outra pessoa, mas não... era ele mesmo. E para minha
surpresa, ele se sentou no banco em frente ao meu, virando-se para me ver.
-Oi. –
ele disse um ‘oi’ seco, mas hesitante. Como se não soubesse se queria ou não me
cumprimentar.
-Oi. –
eu respondi. Um ‘oi’ confuso e ao mesmo tempo tentando parecer o mais
despreocupada possível. Não sei se funcionou.
-Como
você está? – ele me perguntou como quem faz a mesma pergunta para um cachorro.
-Estou
bem. – respondi como quem não quer nada, mas segura de mim. – E você, como
está?
Nesse
momento ele hesitou. E quando abriu a boca para responder, eu interrompi – Você
sabe que quando eu te pergunto como você está, não estou perguntando como quem
diz ‘oi’, mas sim, realmente quero saber como
você está.
Como era
de se esperar, ele ficou mudo. Parecia distante, tentando relembrar uma época
mais ou menos distante.
-Verdade!
Não poderia esperar menos de você. Você não mudou nada!
-Em
essência não. Mas mudei sim. É preciso reciclar as ideias de vez em quando.
Então chega aquele momento crítico em que olhamos para trás e nos lembramos de
pensamentos e visões que tínhamos e nos envergonhamos de algumas delas. – nesse
momento talvez eu tenha tocado em uma ferida aberta. Ferida minha ou dele? Não
importa. Ele ficou calado mesmo e isso me irritou. Me segurei para não agir
impulsivamente, como nos velhos tempos, mas há certas horas em que é preciso
agir primeiro e pensar depois. Pelo menos foi essa a justificativa que usei
naquela hora.
-Você
está bem? – eu quis gritar, mas não chegou a tanto – Às vezes me pergunto como
pode estar, ou como poderia não estar. As pessoas ganham e perdem a todo o
momento, não é mesmo? Mas que importa? Nesse ano que se passou nunca parou para
olhar para trás e pensar por um segundo que seja? Nunca relembrou aquele tempo
que éramos aprendizes e aprendíamos errando? Que buscávamos por perguntas que
poderiam não ter respostas? Nunca parou... para... – então eu parei. Estava exaltada, mas tinha conseguido me controlar bem.
Olhei para aquela criatura que estava postada na minha frente, pasmo e ainda
distante. Como se tentasse se lembrar de algo e quisesse agarrar isso como uma
memória segura, de um tempo que já passou.
-Capitu!
– ele me respondeu. Não é preciso expressar minha raiva. – Capitu era mais
mulher do que eu sou homem! Escapei aos amigos, escapei a minha família,
escapei de você, mas não escapei de mim mesmo! Eu falava-me, eu perseguia-me,
eu atirava-me à cama, e rolava comigo, e chorava, e abafava os soluços com a
ponta do lençol. Jurei não te ver, nem antes, nem nunca mais. Já me via
decidido, diante de você, que choraria de arrependimento e pediria perdão, mas
eu, frio e sereno, não teria mais que desprezo, voltando-lhe as costas.
Perversa! Dissimulada! Mais mulher do que eu sou homem...
Fiquei
pasma. Não consigo encontrar outra palavra para expressar o meu espanto diante
de tamanho drama e tamanha verdade.
-Olhos
de ressaca, vá, de ressaca! Você me encara com os mesmo olhos de ressaca!
Dissimulada! Perversa! Mais mulher do que eu sou homem...
Me cansei
daquela novela.
-Se a
resposta for positiva para as perguntas que te fiz, faça alguma coisa! Se for
negativa, não faça nada! Mas ciente de que não fazer nada é também fazer alguma
coisa. Mesmo que essa coisa nada seja.
Dizendo
isso dei sinal para descer no ônibus e desci, em um ponto em que não iria
descer. Mas não podia mais ouvir tamanhas verdades sem dizer as minhas. Para
evitar qualquer situação, fugi, me esgueirei, escorreguei por entre os dedos
dele.
“Capitu”
ele sussurrou por trás da janela do ônibus, em seguida suas lágrimas afogaram
quaisquer outras palavras que ousassem surgir por entre os dentes.
Nada.
Foi o que eu disse, foi o que eu fiz.
Bati com
a cabeça na janela do ônibus e acordei. No banco da frente estava marcado, com
faca, talvez, a palavra DISSIMULADA em caixa alta.
-Deixe
estar. – disse em voz alta. Então ele entrou.
A
princípio pensei que fosse outra pessoa, mas não... era ele mesmo. E para minha
surpresa, ele se sentou no banco em frente ao meu, virando-se para me ver.
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