sábado, 26 de abril de 2014

O Abraçador de gente

Meu nome é João. Nome comum para pessoa comum. Vida comum, pensamentos comuns, amizades comuns. Tudo na minha vida é comum, exceto meu trabalho. Sou um abraçador de gente! Muitos falam que esse trabalho é cansativo, estressante,  sem remuneração, e o pior, sem estabilidade! Pois é. Mas eu penso diferente.


Eu tenho um parceiro que trabalha comigo todos os dias. Viramos amigos, viramos irmãos. Fazemos hora extra todo dia e trabalhamos duro. Nessa empresa tem até plano de carreira! Mas nem por isso é fácil. Nem todas as pessoas querem ser abraçadas. E ser abraçado muitas vezes também é abraçar. Nem todos estão dispostos a abraçar pessoas, nem na primeira hora da manhã nem na última. Nem se fossem pagos para fazer isso, como eu sou. Mas não se engane, não faço isso por dinheiro, faço por amor. Amo o que faço porque faço o que amo e isso basta pra mim.




Uma vez estava parado no sinal, que estava prestes a abrir e vi pelo retrovisor uma mulher descabelada correndo para me alcançar a tempo. Meus outros colegas de trabalho a ignorariam e pisariam no acelerador, mas eu não. Abri gentilmente a porta do ônibus e a mulher entrou surpresa, sendo abraçada por mim, pelas portas do meu ônibus, que são praticamente meus braços.


A tal mulher, muito agradecida, começou a me contar sobre a sua vida. Era mãe viúva. O falecido deixara um grande legado para ela. Oito filhos. Ela trabalhava como atendente de telemarketing e ganhava um salário mínimo. Era feliz.


No meu trabalho é comum encontrar pessoas incríveis que estão sempre prontas para compartilhar fatos interessantes e relevantes sobre suas vidas. A minha teoria é que para alguém começar a falar, basta ter alguém próximo para escutar. Sou um bom ouvinte e por isso tenho muita história pra contar, mesmo não sendo minhas.


Um dia numa terça-feira, às quatro e treze da tarde abracei um sujeito muito simpático. Parecia irritado, tinha um olhar ameaçador e falava palavras grosseiras. Disse algo como "passa a grana", me deu um carinhoso soco na barriga, em seguida pegou muito dinheiro emprestado com o meu parceiro e saiu muito apressado.


Alguns segundos depois percebi que aquele soco havia me perfurado. Havia ganhado um tiro. Quanta consideração do rapaz simpático! Ouvi alguns gritos de alegria, e em seguida tudo começou a virar um borrão. Acho que estava tendo uma crise de labirintite, deve ser isso mesmo. O que era muito ruim, já que possivelmente perderia o sanduíche e o suco de abóbora que eu e meu parceiro dividíamos no final da nossa jornada.


Acho que ouvi alguém dizer algo sobre ser finalmente abraçado. Mas como eu disse mais acima, abraçar também é ser abraçado. Ouvi também que eu seria abraçado por alguém que seria muito generoso comigo e me levaria para tirar férias em um lugar supimpa. Depois descobri que na verdade me demitiram por justa causa, perdendo assim todos os meus direitos e minha grana rescisória. 



Quando tive tempo para pensar em como ia me virar sem o seguro desemprego, me abraçaram.

     
Nota póstuma: nunca confie nas terças-feiras.





Nenhum comentário:

Postar um comentário